Doces Lembranças
Fátima Soriano
Debrucei na janela do meu apartamento (apertamento, melhor dizendo), e me deparei com uma vista bonita. Uma leve brisa me batia a face. As andorinhas faziam festa no céu, o canto do bem-te-vi e de tantos outros pássaros dos quais desconheço o nome, pairavam no ar fazendo parte desse lindo cenário. Vi coqueiros, árvores verdes, prédios da Pajuçara, casa....e, de repente, meu olhar debruçou no Colégio Professor Benedito de Moraes, da qual estudei desde meus doze anos até concluir o ensino médio ( antigo científico).
Meus pensamentos viajaram em um passado distante, recordando minha adolescência. Que tempo lindo! Nossa casa da Pajuçara, localizada na Rua Jangadeiros Alagoanos, 1128, parecia um castelo de primeiro andar... Quem via uma casa tão bonita, pensava que éramos ricos. Nem podia imaginar a maratona que meu pai fazia para colocar tanta comida na mesa. Somos quatorze irmãos, de fato que, naquela época, já havia alguns casados, mas a turminha de crianças e adolescentes ainda era grande.
Minha mãe, sempre na corrida com os afazeres domésticos, pois não parava secretária devido a casa ser muito grande e além de muitos filhos, ainda chegavam os netos. Era uma danação só! Mesmo assim, minha mãe cuidava de cada um de nós com devoção, sabedoria e paciência. Era rígida, quando necessário, mas sempre dedicada a todos.
Meu pai, naquela cadeirinha de balanço, com uma das pernas sobre o braço da cadeira, tirava uma soneca... ficava vermelho quando lhe surpreendia com um beijo nos seus cabelos brancos... de quando em quando, cantava música de ninar com um dos netos no colo, para aliviar a barra da minha mãe. Eles adoravam me ouvir ao piano, principalmente quando eu tocava Fascinação, E o destino desfolhou e Sobre as ondas. Como éramos felizes!... Era uma vida simples, sem luxo, mas éramos felizes! Tínhamos o essencial.
Lembro-me que eu estudava sempre com um sobrinho no colo tentando pegar o meu livro. Andréa, minha irmã caçula, até aos quatro anos achava que eu era sua babá, e era mesmo! E quando ficavam: Clarinha, Paulinha e Taninha, minhas sobrinhas, as três aprontavam sempre com o comando de Clarinha, o raio. Esse trio além de subir no telhado,já tocaram fogo até no mosquiteiro... dá pra imaginar?!...
Meu olhar continua debruçado no Colégio do Estado onde estudei e meus pensamentos pairavam no tempo... no vento... como um filme na minha mente, nas minhas lembranças... Era Colégio do Estado, mas naquela época, não havia greve e os professores ficavam registrados na memória.
Muitas vezes, meu pai não tinha condições de comprar todos os livros _ Naquela época não era gratuito, eu tinha que pedir emprestado na sala vizinha para não perder nota. Minha farda era aproveitada de um ano para o outro, até que o tecido se desgastasse. Às vezes, cansada de uma tarde de aula e da caminhada que eu dava até em casa, chegava faminta... mas, apesar das dificuldades, nunca faltou uma mesa farta.
O cuscuz fofinho que meu pai fazia e que chamava de “ Napoleão” porque era grande e parecido com o chapéu de Napoleão, ( eita cuscuz bom, fofinho e gostoso!!!), era um prato que não podia faltar em nossa mesa, era de praxe.
Além do cuscuz, tinha batata doce que meu pai chamava de “batata peidona”, ou sopa, inhame ou macaxeira, mas o cuscuz não podia faltar. Dá pra imaginar o tamanho do saco do pão? E da leiteira enorme cheia de leite? Um cafezinho passado na hora... dá até para sentir o cheiro! Ah! Quanta saudade!
Meus pensamentos continuam voando no tempo e nessa trajetória me deparo já no segundo grau. Conheci Georges, meu esposo. Casamos em seguida. São anos de convivência.... de altos e baixos... tantas coisas se passaram!... Meus pensamentos terminam o percurso dessa viagem ao passado fazendo pouso no presente.
Hoje, não estou mais naquele casarão da Pajuçara, mas no meu singelo apartamento de pouco mais de 45m2. Me vejo fazendo também a mesma maratona que meus pais faziam para não faltar comida na mesa, juntamente com o meu marido, lutamos em busca pela sobrevivência e ainda damos uma forcinha com os netos.
A vida é mesmo uma grande busca, uma eterna maratona. Peçamos a Deus, paciência e perseverança para sairmos vencedores. Espero que um dia, meus filhos e meus netos possam sentir também saudades de sua infância, sua adolescência... pois ficam registradas em nossa memória, e que suas lembranças sejam também “ doces recordações” nessa viagem de volta ao tempo.
Portanto, quando eu não estiver mais nessa dimensão, que eu possa ser “lembrança viva”. Não deixarei riquezas materiais, mas o legado de amor, humildade, perseverança e fé. Que possamos aproveitar cada lição nessa grande faculdade chamada “vida”.